“Só existem dois grupos em verdadeira luta no Brasil:
os que estão roubando e os que querem roubar."
Tenório Cavalcanti
Por Waldo Luís Viana*
Num país como o nosso, sobre o qual a Justiça Eleitoral afirma ter um regime “hiperpartidário”, com quase 30 partidos, em sua maioria repartições de mero registro de candidatos e negociadores de repartição do horário público eleitoral – encontramos, na prática da esperteza, duas agremiações, quase iguais, semelhantes em tudo nos costumes de seus dirigentes, brigando entre si numa interminável disputa de poder, como se fossem os únicos comensais do butim, com o povo olhando, apinhado atrás dos cordões de isolamento.
O PT, muito hábil, conclama à velha luta entre ricos e pobres, confrontando os engravatados que falam inglês com os barbudinhos da máfia de pelegos sindicais. Agora vem com a mesma estória das privatizações da Vale e das teles como massa de manobra para toldar os escândalos que abalam o seu governo “republicano”. Se isso era tão importante investigar, porque os mandatos de Lula não o fizeram no espaço de oito anos? Por que não houve qualquer devassa pra valer ou mesmo uma CPI qualquer? É muito simples responder: porque, na hora das eleições, era muito mais útil confrontar as privatizações (que o povão não sabe muito bem o que é!) com o perigo de extinção do bolsa-família (benesse que, antes, os petistas denunciavam como meras compensações eleitorais).
Essa manobra de eleger um adversário e bater na mesma tecla, transformando um boato irreal em simulacro de verdade, é tática velha e carcomida da propaganda comunista. Assim fez Stalin, em seus expurgos nos anos 1930, na União Soviética, e Teng Xiao Ping, que em 1976 denunciou ao povo o “bando dos quatro” sobre as sevícias perpetradas durante a revolução cultural chinesa. Isso é tão velho se fazer em política – nomear um só adversário para o povão entender quem é o inimigo – que custa a acreditar como os malandros do PSDB não conseguiram (ou não quiseram!) denunciar e neutralizar a prática brandida pelos petistas.
Por sua vez, o PSDB, e seus adeptos de alta plumagem, não tem programa de governo a oferecer. Apenas um duelo de vaidades, entre dois presidenciáveis, com cada metade do partido (desculpem o pleonasmo!) tentando se equilibrar em cima do muro entre os próximos e eventuais candidatos. Finge-se de oposição, denunciando suavemente o PT, sempre querendo deixar o adversário “sangrar” em busca de uma pretensa “fadiga do material” que jamais acontece.
O partido no poder, temendo perdê-lo, faz habitualmente alianças, mesmo as mais espúrias com a direita oligárquica e os rentistas internos e externos, e se mantém altaneiro em sua posição, distribuindo as conhecidas migalhas ao povão que sinceramente agradece nos períodos eleitorais. De fora ficam somente a educação, a saúde, as estradas, as ferrovias, os portos, o saneamento básico, os aeroportos, a defesa civil, a contenção de encostas e 80 impostos a pagar em troca de quase nada...
Os demais partidos assistem à pantomima como artistas coadjuvantes, pensando em abocanhar um naco da máquina estatal, irresponsavelmente distribuída para compor a tal “base aliada”, que só entra em guerra nas votações do Congresso, quando o seu apetite fisiológico e insaciável é contrariado.
O programa do PT, porém, é muito bem executado: “permanecer a qualquer custo no poder pra ver como é que fica...” E não importam os meios, aliás, ao diabo os princípios!, desde que o Estado continue todo aparelhado pela “nossa gente” e a oposição “a pão e água” – da mesma forma como em outros tempos recomendava Bakunin, outro comunista histórico...
Hoje, entretanto, há ideólogos de esquerda mais perfumados, como Gramsci, que falam da estratégia de conquistar o poder “por dentro”, dinamitando a pretensa burguesia e suas instituições, bem como formulando uma nova hegemonia com os atores sociais que promoveriam a tal revolução, distante mas inevitável, como um demiurgo fatal!
Só esqueceram que atualmente a burguesia é quase toda de esquerda – daquele tipo que chora pelo povo em comício e não quer dar aumento salarial para a empregada doméstica – aparelhista e pelega, prejudicada agora pelos expurgos anti-corrupção que estão atingindo o governo Dilma com um soco no estômago. A corrupção de esquerda, aliás, é bonita, idealista e feita por motivos tão nobres que quase nos fazem chorar. Coitadinhos dos consultores, meu Deus!
Tivemos a divulgação de um livro pela internet, “A Privataria Tucana”, sobre os pecados do ex-presidente tucano e seu mais influente ministro. Ambos atacados duramente pelos adversários, mencionando-se que tenta divulgar fatos fartamente “documentados” e tendenciosos, com o único objetivo de servir como artilharia nas próximas eleições e nos fazer esquecer, como coisa menor, a bandidagem oficial. É impressionante como sempre se encontra um jornalista de plantão para fazer esses papéis!
Assim caminha nosso regime hiperpartidário, que só tem dois partidos de fato, irmãos univitelinos na estratégia de discutir entre eles o comando do país. Nessa briga, o PMDB torna-se o mais esperto, fingindo-se de primo participante e aliado de quem vencer, porque são oligarcas regionais que não precisam possuir a presidência da República para governar. Esse, para quem conhece, é o mesmo esquema da República Velha, que terminou com Washington Luís, e se baseava em partidos regionais. Os demais partidos do imenso leque atual também são apenas partidos de região, com caciques localizados, mas que se organizam nacionalmente por força de nossa legislação cruel e adredemente formulada.
Nesse sentido, jamais teremos reforma política, porque são os mesmos lobos que controlam o galinheiro. E, pelo visto, pela ânsia dos ministros corruptos em não largar o osso, pela luta intestina por cargos, comissões, superfaturamentos e pelo conhecimento de como “funciona o Estado” para melhor roubá-lo e facilitar “os negócios” – a coisa continuará do mesmo modo e nós, atônitos, admirando o negro panorama!
Enquanto isso, o mundo gira e parece que entrou em crise ou recessão. É costume de nossas autoridades dizer ao povo que o Brasil jamais será alcançado por crises e que Deus é brasileiro. Quando vêm as tragédias, os políticos aparecem com paliativos, porque rapidamente elas são substituídas por outras, sempre cíclicas, sempre repetidas e sempre sem solução.
O bipartidarismo da mentira não resolveu nossos problemas, somente nos aproximou da beira do abismo. O problema é saber qual desses dois partidos, num verdadeiro jogo de comadres, irá dar o próximo passo...
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*Waldo Luís Viana é escritor, economista, poeta e confessa que, aos 56 anos, se sente cansado de votar. Talvez haja outros desiludidos...
Teresópolis, 14 de dezembro de 2011.
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