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sexta-feira, 25 de março de 2011

AS HUMANIDADES NO BRASIL


Waldo Luís Viana*

         Minha filha encantou-se por estudar filosofia ao final de seu curso de Nutrição. Disse-me que era verdadeiro banquete o desfile de pensamento que assistia, maravilhada. De minha parte, senti um aperto no peito, eu que cursei o Clássico, no curso médio, e tive contato com a disciplina, desde cedo.
         Por que só se cuida do principal ao final dos cursos de graduação, no Brasil? Em meu curso de Economia, terminado em 1978, só tive créditos sobre Economia Brasileira a partir do sexto período, quando a “festa” estava terminando. E, mesmo assim, estudava a medo certos autores nacionais, porque eram tempos frios de ditadura. Minha alma pairava livre sobre textos de autores  marxistas proibidos, que lia sofregamente, para entender por que motivo eram tão bem aceitos por certos grupos e tão repudiados por outros. Era a dialética típica e simples de minha formação...
         No entanto, notei que os contemporâneos, ao contrário dos antigos, não formulavam nada original, mas eram filósofos e cientistas sociais “críticos”, ou seja, trabalhavam sobre as teorias alheias, tentando extrair delas o melhor para suas ideias, denunciando os “erros” dos antecessores e formulando, enfim, uma pretensa filosofia perfeita e final.
         Desde o século XIX essa tendência plasmou várias referências  nas ciências sociais e ouso até dizer que isso se manteve até nossos dias, desde Marx até Fukuyama[1].  Hoje em dia, pouco se escreve originalmente, sendo que os filósofos contemporâneos se comprazem apenas em criticar os anteriores, numa tarefa sistemática e ingrata de demolição teórica.
         Cuidei de aconselhar minha filha sobre a necessidade de ler os filósofos no original, partindo do doce princípio, atualmente desprezado, de que os homens são seres particulares, dotados da mesma inteligência e lógica, mas que, no entanto, as utilizam para fins diversos. Que Marx não é mais importante do que Hegel, assim como Platão e Aristóteles deveriam ser lidos como são e não por comentadores interessados.
         É óbvio que minha filha não obedeceu inteiramente ao conselho, vez que a velocidade do seu curso a obrigou a voar sobre outras disciplinas, especializadas e dignas. No entanto, ela já não vai cair na velha armadilha de conhecer o grande pensamento dos homens apenas pela visão distorcida de seus repetidores.
         De qualquer maneira, o interesse pelas humanidades tem sido relegado a plano inferior no Brasil, não pela exacerbação do tecnicismo, mas por considerar o seu estudo como assunto de segunda classe. Passamos da cruel realidade de jogar na vala comum do estudo do direito, do jornalismo e das letras os que não tinham inteligência para as matemáticas para uma visão tecnocrática e arrogante de formar economistas, administradores de MBA e cientistas políticos somente para a gestão do Estado leviatã.
         Relegamos para longe a ciência e a tecnologia, a ponto de formarmos cem economistas para um engenheiro, o que, no Japão, por exemplo, atinge proporção inversa! O valor agregado de nosso pensamento é perdido, diante do desapreço pela educação desde os estágios fundamentais, o que se reflete profundamente na formação e valorização de nossos professores.
         Nossas elites, para lucrar e reinar, precisam de um povo deseducado e manipulável, um país que consegue o feito de em mais de cem anos não ter produzido nenhum prêmio Nobel.
         Lembro-me de um físico-matemático que, em tempos idos, se encontrava comigo num boteco no Leme, na zona sul do Rio de Janeiro. Enquanto bebíamos até ficarmos “altos”, ele comentava a sua insatisfação com a expressão “cientista político”, para ele verdadeiro oximoro. Dizia ele “se político não é cientista; se cientista não é político.” Além disso, atribuía-me uma capacidade além das minhas forças, quando me pedia: “Waldo, estou cansado de ser ateu! Convença-me!” E fazia questão de triturar um por um dos meus argumentos metafísicos, enquanto sorvia o nosso velho uísque de guerra... Momentos saudosos aqueles, em que meus esforços abnegados de fazê-lo encontrar a Deus devem ter me garantido, apesar do álcool, um quartinho de empregada no céu!
         Acho que minha vocação de escritor foi despertada no frisson da transição crítica em que vários brasileiros passaram a sentir o bom gosto da democracia. Falar sobre o que queríamos, sem medo, foi uma conquista sem dúvida memorável. Hoje, ninguém é censurado por ler um livro marxista ou seguir essa ou aquela tendência política. Ateus, agnósticos, católicos, evangélicos e seres de outras confissões podem transitar pelas mesmas ruas, sem se sentirem incomodados pela polícia.
         Ousei até, no novo clima, escrever meus livros, mesmo sabendo que não teriam apelo comercial relevante. E me tornei um escritor completamente apaixonado por minha própria mediocridade, parafraseando Mário de Andrade: “milhor do que isso não posso fazer...”
         Infelizmente, vivemos num país em que existem mais autores que leitores (a média do brasileiro é de dois livros lidos por ano), de poucas livrarias e escassos agentes literários. Os autores são oprimidos pela ditadura do mercado, que despreza a inteligência e supervaloriza as duplas sertanejas. Os analfabetos funcionais chegam a 33 milhões de pessoas e se exigirmos um pouco mais de cultura, os despreparados para a ciência e as humanidades ultrapassam o tamanho de nossa gloriosa e endividada classe C.
         Minha filha, sem experiência, formou-se em Nutrição e agora passa àquela categoria dos brasileiros que procuram uma difícil vaga de emprego. A luta dos jovens é terrível, nesse sentido, num país que valoriza os que têm, em detrimento dos que sabem. Estudar é bobagem, diante das recompensas do capitalismo aos big brothers da vida. É uma sociedade carnavalesca, dominada pela corrupção e malandragem, em que assistimos a uma espantosa regressão: os jovens querem fazer concurso público para garantir estabilidade como funcionários públicos. Afinal, concorrer com mais de 80 impostos torna difícil empreender, principalmente para quem está começando...
         Assim, como pai, só espero que ela possa ser feliz, mesmo que submersa em tantas contradições. O brasileiro, enfim, é tocado pelo enorme destino de não desistir nunca...
         Mora na filosofia...
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*Waldo Luís Viana é escritor, economista, poeta e é um entusiasta das humanidades. Infelizmente, no Brasil, o único autor praticado no original é Charles Darwin...
24 de março de 2011
Teresópolis - RJ  

Um comentário:

silvia calçada disse...

É isso ai! Darwin na cabeça.