por Marcelo C. Bossan
Ultimamente, sempre que se discute o problema do aumento da criminalidade urbana, sobressaem certos indivíduos, dotados de inteligência acima da média (das amebas), que se apressam em expressar a "brilhante" solução: é preciso desarmar a população. Esta afirmação impensada, fruto da desinformação e do desejo sincero (será ?) de ver nossa sociedade livre das balas perdidas, latrocínios, grupos de extermínio, e outras mazelas, parece nascer do seguinte raciocínio equivocado: armas de fogo matam, e a população está armada, logo, a população é quem está matando. Assim, claramente exposto, fica evidente o absurdo de tal forma simplista de pensar. Sua inconsistência seria motivo de risos, caso sua repetição diuturna, em todos os espaços da mídia, não a estivesse transformando em mais uma daquelas unanimidades burras às quais se referia a genialidade de Nelson Rodrigues.
Em primeiro lugar, armas não matam; homens matam. As armas são meros instrumentos que podem ser utilizados também, e não apenas, para este fim. E por arma entenda-se qualquer instrumento utilizado para ataque ou defesa. Mesmo que fosse possível a eliminação de todas as armas de fogo, estas seriam rapidamente substituídas por armas brancas (até mesmo um garfo pode se tornar uma arma eficiente). Proibidas as armas brancas, apelar-se-ia às técnicas de combate corpo-a-corpo. Foi exatamente assim que surgiram as artes marciais. Isso não acarretaria nenhuma redução na violência urbana. Voltaríamos sim, à lei das selvas, onde o mais forte subjuga o mais fraco. O único desarmamento real é o do espírito humano, objetivo buscado, a milênios, pelas diversas religiões em todo o mundo, com resultados pouco animadores.
Quando se declara que a população está armada, coloca-se no mesmo "saco de gatos" situações completamente distintas. Em primeiro lugar, apenas uma minoria da população é proprietária de armas de fogo. Mantidas as proporções, se compararmos o Brasil com países como a Suíça e a Alemanha, exemplos de tranqüilidade social, a população brasileira seria considerada até que bastante desarmada. Mas, mesmo entre os que estão de posse de armas de fogo, ocorrem situações que não podem ser confundidas. Existem aqueles que usam das armas (de fogo, ou não) com o intuito de dar vazão a sua intenção criminosa. Outros, os cidadãos honestos, utilizam-nas como um último recurso para se defenderem dos primeiros, pelo menos até a chegada de apoio policial. E não se deve esquecer dos colecionadores e praticantes das diversas modalidades esportivas relacionadas ao tiro. Quanto aos primeiros, estes devem sofrer o rigor da lei, e seria razoável que fossem o alvo principal daqueles que tanto se empenham na campanha pela redução da violência. Os segundos, devem ter garantidos os seus direitos de defesa de sua propriedade e, principalmente, de seus familiares, cuja proteção é, em última análise, responsabilidade sua. Os últimos, os atiradores e colecionadores de armas de fogo, devem ter seu direito ao lazer protegido contra aqueles que, por preconceito ou por não compartilharem de seu gosto pelas armas, tentam, levianamente, apresentá-los à sociedade como cidadãos pervertidos e mentalmente desequilibrados.
Infelizmente, estes dois últimos são os alvos prediletos de setores da mídia em sua campanha irracional pelo desarmamento. Quem não se lembra do lamentável episódio, ocorrido em julho de 1995, da acusação de contrabando que recaiu sobre a Associação Brasileira dos Colecionadores de Armas, enquanto seus membros exerciam o direito legal de importação de armas para coleção? E o que foi pior, chegaram ao absurdo de divulgar uma relação de seus associados, pondo em evidente risco a segurança de seus familiares.
E os argumentos apresentados por aqueles a favor do aumento das restrições ao porte e, até mesmo, contra o registro de armas, não sobrevivem à uma análise crítica dotada de um mínimo de racionalidade. Afirmam estes, por exemplo, que o porte de armas de fogo por civis não contribui para sua segurança. Como "prova" disso, acenam a "estatística" da OAB de São Paulo que declara que apenas uma em cada 16 reações com o uso de armas de fogo é bem sucedida. Ora, fora raríssimas exceções, uma reação armada só se transforma em ocorrência policial quando o proprietário da arma é ferido ou quando este tem sua arma registrada levada pelo criminoso. Neste último caso, a ocorrência é feita para evitar o comprometimento do antigo proprietário da arma, caso esta venha a ser utilizada em crimes. Não estão arroladas, dentre estas ocorrências, as inúmeras vezes em que roubos, estupros e violências afins foram impedidos apenas pelo estampido de uma arma de fogo. Inúmeros também foram os casos em que a simples percepção pelo meliante de que sua pretensa vítima portava uma arma de fogo foi suficiente para evitar um crime. E, finalmente, é sabido que a descrença na instituição policial faz com que as reações bem sucedidas não sejam declaradas, salvo quando inevitável. Tudo isso faz com que as ocorrências policiais sejam o que, em estatística, é conhecido como amostra viciada, fornecendo informações tendenciosas sobre o fato analisado, não representando a realidade. Citando o ilustre economista e deputado federal Roberto Campos: "Às vezes, a estatística é como o biquíni fio dental, mostra o supérfluo e esconde o essencial".
Outro argumento freqüente, é o de que a população armada seria a grande fonte de armamento da marginalidade. Não é conhecida a origem desta informação, porém, números apresentados pelo Deputado Roberto Jefferson mostram que 74% das armas apreendidas pela polícia no Rio de Janeiro são proibidas para o uso civil, o que põe em dúvida sua veracidade. Também, só mesmo marginais muito desesperados usariam armas com os calibres "anêmicos", permitidos aos civis, como suas "ferramentas de trabalho" (sic!).
Há ainda os que declaram que a criminalização do porte ilegal teria o mérito de facilitar a prisão dos criminosos pegos portando armas de fogo. Na verdade, a exigência do registro da arma, documento necessário para a compra da arma por vias legais, já seria suficiente para enviar a maioria destes criminosos à cadeia. Principalmente em estados como o Rio de Janeiro, onde, mesmo para os indivíduos mais qualificados, é praticamente impossível a obtenção de um porte de arma, o registro, da arma, e não o documento de autorização de seu porte, é o que melhor distingue o marginal do cidadão comum. Não se trata de incentivar o porte ilegal da arma, mas de garantir que o meliante contumaz e o cidadão de bem, morador de uma área de risco, e que, por exemplo, precisou inesperadamente sair de madrugada para a compra de um medicamento, sejam acusados pelo mesmo crime, caso sejam flagrados portando uma arma.
Evidentemente, existem inegáveis aspectos negativos no uso de armas de fogo. Já foram relatados casos de assassinatos por motivos fúteis, disparos acidentais, acesso de crianças às armas dos pais, dentre outros. Mas serão estes fatos isolados suficientes para justificar um desarmamento geral? Não deveriam ser contabilizadas, também, as inúmeras vidas salvas, direta ou indiretamente, pela presença de uma arma em mãos bem treinadas? Não seria melhor uma campanha de conscientização dos proprietários sobre a necessidade de treinamento para o uso correto e seguro de armas de fogo? Não se pode avaliar uma questão considerando-se apenas os seus aspectos negativos. Seria como sugerir a proibição da posse de automóveis pelo cidadão, pois, mesmo mantidas as proporções, matam com muito mais freqüência que as armas de fogo.
Os argumentos apresentados contra a propriedade de armas de fogo são tendenciosos, preconceituosos e irracionais. Desarmar a população não é um objetivo passível de êxito. Certamente, as armas registradas, de propriedade dos cidadãos de bem, poderão ser facilmente apreendidas. Difícil mesmo será a captura do armamento sofisticado que se encontra nas mãos da bandidagem. As conseqüências de tamanho desatino são bastante previsíveis: a garantida satisfação dos criminosos, por saberem que o cidadão comum estará indefeso, o desespero do homem de bem, vendo-se cerceado no direito de proteger os seus, e, certamente, o júbilo dos contrabandistas de armas e munições, que verão um crescimento substancial em seu mercado.
Para concluir, o desarmamento da população não deve ser visto como uma solução para a violência. Esta declinará, atingindo níveis aceitáveis, quando em nossa sociedade houver uma melhor justiça social, um poder judiciário eficiente, e, muito importante, uma polícia profissional e com salários dignos, que se faça presente no dia-a-dia do cidadão.
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